Pular para o conteúdo principal

6) O lento retorno à vida



Naquela tarde falando ao povo encantado iniciei um lento retorno à vida, mas durante todo o primeiro ano em Etera ainda chorei todas as noites, sentindo a lâmina fria remexer-se em meu coração.

Durante o dia cumpria com minhas obrigações como Rainha de Etera esforçando-me para não pensar em Adriel, nas saudades que sentia ou na dor que me partia inteira. Agia como deveria para que os seres elementais não percebessem o quanto minha tristeza era intensa. Um simulacro de sorriso estava sempre em meus lábios, a modulação da voz era gentil e agradável e o semblante calmo.

À noite após o término de minhas obrigações, dispensava todos e ia sozinha para a cozinha, onde Tana deixava vários pratos à minha espera. Sentava-me à mesa e começava a comer. Às vezes conseguia comer toda a refeição e só chorar depois, mas quase sempre o choro pegava-me ao meio.

Tudo o que era belo ou bom trazia-me de volta a Adriel e conseqüentemente à sua ausência. Quando alimentava-me com a comida gostosa de Tana, sentia prazer e com ele vinha a dor. Como poderia sentir prazer se Adriel não estava comigo?

Então as lágrimas vinham e o garfo ficava congelado por alguns segundos, a meio caminho da boca, até cair de volta ao prato.

Não. Eu não estava me punindo. Só não era bom sentir prazer sem ele. Era como se tivesse traindo-o com um esquecimento rápido e inaceitável. Tinha um pavor louco de esquecê-lo, de que sumisse de minha lembrança, de que um dia buscasse e não localizasse mais sua linda face sorrindo em minhas memórias. Por mais que doesse lembrar, seria insuportável esquecer.

Passava e repassava momentos que tivemos e a dor de sua ausência, a necessidade de sentir sua presença pegava-me inteira. Empurrava o prato e debruçada sob a mesa era vencida pela tristeza e saudades.

Após algum tempo, Elros vinha, pegava-me no colo e levava-me para o quarto, depositando-me à cama. Eu tinha desistido de fazer este trajeto só. Não conseguia levantar-me da cadeira e em alguns dias fiquei ali por muitas horas até permitir que me levasse. Prometia-me que no dia seguinte não choraria, que comeria e depois iria sozinha para o quarto, onde leria ou pintaria e, derrotada, todos os dias tinha que refazer a promessa.

A pintura agora era apenas um projeto, uma intenção vazia, uma lembrança remota. Queria pintar Adriel, tinha já o esboço em minha mente, mas não consegui pegar nos pincéis uma única vez, porque a pintura também era prazerosa e remetia a ele.

Elros nunca dizia nada. Apenas levava-me até a cama e lá Tana aguardava e permanecia comigo até que o sono vencesse as lágrimas, embora ainda soluçasse durante a noite. De manhã ela passava um pó em meu rosto desaparecendo com todos os vestígios das lágrimas e o ciclo recomeçava.

Isto foi praticamente um ritual naquele primeiro ano, repetindo-se todas as noites, com pouca ou nenhuma modificação, mas ainda que não achasse ser possível, a vida retornava lentamente aos meus ossos e o passo inicial fora dado naquela tarde, quando sai à varanda do castelo e encarei o povo castigado que me olhava com ansiedade e não sei como as palavras foram saindo de minha boca:

- Povo Encantado, nós atravessamos um longo inverno e fomos duramente atingidos. Enquanto o frio tocava nossas almas, choramos nossos mortos e desaguamos nossas tristezas. Agora o hálito quente da primavera já se anuncia e logo será tempo de flores, calor e alegria. Não podemos continuar inertes, lastimando o passado. É tempo de recomeçar e renascer.

- Daqui a uma semana faremos uma grande festa para comemorar a chegada da nova estação. Neste dia também serei coroada Rainha de Etera.

- Necessito da ajuda de todos para que Etera esteja preparada e enfeitada para a festa. Vamos pintar as casas, limpar as ruas, podar as árvores, varrer as folhas e o lixo acumulado, arrumar os telhados e consertar o que estiver quebrado. A primavera não entrará em Etera se não espantarmos os últimos resquícios do inverno. Posso contar com vocês?

Eu mal acreditava que tinha proferido estas frases, menos ainda de que convenceria alguém quando eu própria enregelava de medo frente à tarefa que propunha, mas os pequeninos entoaram meu nome a uma só voz em um poderoso coro, levando-me às lágrimas.

Afastei-me do balcão ainda sob aplausos, o coro ressoando e prometi-me fazer tudo que pudesse para não decepcioná-los, mesmo que para isto tivesse que voltar a viver.


...


Texto registrado no Literar.

Imagem daqui.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

(FFXIII-2) É o fim? O que está acontecendo com a Square-Enix?

Gráfico do preço das ações da Square-Enix de 2008 a hoje. Fonte Em todos os lugares que leio as pessoas estão aturdidas e se perguntam: o que ela está pensando? O que ela está fazendo? Onde quer chegar? O que quer fazer? WTF!!! O que é isto? Ela tinha a melhor franquia de jRPGs, uma base sólida e ávida de fãs que apenas desejavam que fizesse o que sempre fez: excelentes jogos, com boas estórias, personagens carismáticos, mapas grandes para exploração, áreas secretas, lutas com chefes poderosos e um final coerente, no PS3 e/ou Xbox360. Ao invés disto, vimos toneladas de jogos para telinha (PSP/DS/Celulares), um MMO trágico e um único jogo (Final Fantasy XIII) para grandes consoles com um enredo picotado e confuso. Ainda assim vendeu bem e os fãs aguardaram pacientemente pelo que se anunciava ser o melhor de todos, Versus XIII. A maioria de nós aceitou quando Versus foi postergado e em seu lugar anunciaram a vinda de Final Fantasy XIII-2, porque queríamos a oportunidade de dar

FFXIII - Pós Game - Titan's Trial

Olhem o gigante que está em Archylte Steppe agora. Ainda não encontrei nome, referência, nada. E eu pensando que Adamantoise era imenso. Ratinho perto dele. lol Será que é para matar? (Atualização 1: Sabem aquele círculo de l'Cie Stones que estavam "apagadas" antes? Agora estão "acesas". Fui lá ver quais eram as missões e são praticamente as últimas, da 54 à 62 salvo engano. Quando toquei na 62, o gigante olhou, fez cara de quem não gostou e gritou ou praguejou, sei lá. Sai xispando. Melhor deixar estas stones quietinhas por enquanto. lol ) (Atualização 2: Descobri. É um Titan que fica em uma área até então inexplorada, The Faultwarrens, com entrada por Aggra Pasture e só abre após a execução da missão 34. Ele propõe uma nova quest, para provar se sua equipe é mesmo forte. Se você enfrentar todos e vencer, lutará com um Titan (não ele) e ganhará um prêmio, além de um novo Troféu/Conquista. São 16 monstros, as l'Cie de número 35 a 50 mais

(FF XV) Capítulo 1 - Parte 1a - Hammerhead Region, com mapa, tesouros, missões, etc...

Abra a imagem em uma nova guia para usar o zoom e ver tudo. Tentei fazer uma gambiarra com fotos do mapa. Acho que vai dar para entenderem, com alguma boa vontade. Mostra todos os tesourinhos, com legenda ao lado. No topo central a lista das sidequests da história.  No mapa, as linhas começadas em pontos azuis são Sidequests opcionais e recomendadas pelo guia, os pontos verdes são Tours e os amarelos são Hunts. Acho que este início é mais para a gente se localizar mesmo. Eu fiquei um tempão zanzando pelo mapa e recolhendo os tesouros. Peguei a espada longa que é o ponto U4 (muito boa!) - a espada que está no ponto verde (U6) é só pós game - e os acessórios I3 e G1, além dos Mega-Elixires e e Mega-Phoenix (P1 e P2) e um monte de cacareco que ainda não sei para que serve. PELO AMOR DE FF: não vá sair por aí vendendo NADA! NADA é NADA! Passe fome, durma em acampamentos, lute com as mãos se for preciso, mas não venda nada até sabermos o que pode ser vendido ou não. Isto é

(FF XII) Zodiac Job System e seu sistema de classes

Por André Anastácio O quadro de licenças e o Zodiac Job System Para quem não é familiar, o quadro de licenças de Final Fantasy XII é onde ocorre toda a customização sobre o que é que o personagem poderá fazer. É basicamente uma enorme árvore de talentos (semelhante ao Sphere Grid do X) no qual podemos seguir o caminho que desejamos e, dessa forma, customizar o estilo de combate de cada um dos personagens. Tudo que quisermos que um personagem tenha acesso - indo desde magias e técnicas, e até mesmo quais equipamentos ele poderá equipar - precisa ser comprado no quadro de licença antes de estar disponível para aquele personagem. A principal diferença entre o jogo base e o Zodiac Job System está justamente no quadro de licenças. Na primeira versão, existia apenas um enorme quadro disponível para cada personagem e não existia nada que limitasse o que é que os personagens poderiam ter acesso enquanto avançavam por ele. Dessa forma, ao chegar no fim do jogo seus personagens pod

FFXIII - Capítulo 10 - Crystarium evolution...

A Square se pela de medo de minhas críticas! lol (Vai sonhando Neiva) O fato é que é só reclamar de algo e um pouco mais a frente ela resolve, ou tenta. Foi falar da merreca do novo círculo da Crystarium e pronto: evolution!!! Agora todos os personagens podem evoluir para todos os 6 tipos de perfis. Assim, todos podem ser médicos, p.e.. Hummm..... Sei.... Grande coisa!!!! Eu queria novas armas (de preferência aquelas invencíveis e beeemmm escondidas), novos poderes incríveis, armaduras e acessórios poderosos, este tipo de coisa. É pedir muito? Parece que sim. Mas.... Quem não tem cão caça com gato! (é assim mesmo o ditado? Nem lembro) Antes isto do que nada, ao menos posso brincar de evoluir enquanto luto. E ó, já vou avisar para aqueles que quiserem ser tão espertinhos quanto eu, que pensei na hora: - Ôba!!! Vou pegar um acessório a mais para cada um. hahahahaha Trouxa! Square que não é boba e nem nada tirou o espaço do acessório extra nas novas evoluçõe